Sabemos que Tolkien deixou a todos nós um legado incalculável de fantasia. Assumiu o papel de subcriador, que ele mesmo define assim em Sobre Estórias de Fadas:
[…] o criador de estórias mostra ser um “subcriador” bem-sucedido. Ele cria um Mundo Secundário que a sua mente pode adentrar. Dentro dele, o que relata é “verdadeiro”, está de acordo com as leis daquele mundo.
Portanto, a herança literária, espiritual e imaginativa que lhe devemos está bem clara. E quanto ao legado material, legal, que deixou aos seus herdeiros? Para isso precisamos recorrer à documentação disponível. No Reino Unido os testamentos e outros documentos são registrados e autenticados pelos Probate Registries [Registros de Autenticação]. Uma vez que um desses órgãos públicos tenha concedido o grant of probate, que garante registro e publicidade ao documento, este deixa de ser confidencial e se torna acessível a qualquer pessoa.
Tolkien faleceu em 2 de setembro de 1973, tendo feito um testamento datado de 23 de julho do mesmo ano. Deixou um patrimônio líquido de ₤144.159, o que equivale a cerca de 1,7 milhões de libras em valores de hoje, ou mais de 10 milhões de reais ao câmbio corrente. Pode parecer um valor exorbitante, mas não é tanto assim se considerarmos a enorme popularidade atingida por suas obras, e o volume do investimento da mídia em adaptações. Lembremos que seus livros venderam centenas de milhões de exemplares e que os filmes de Peter Jackson, baseados no Senhor dos Anéis e no Hobbit, faturaram bilhões de dólares; a série Os Anéis de Poder da Amazon tem um custo de produção de mais de um bilhão de dólares.
Entre as doações estipuladas por Tolkien em seu testamento está uma de ₤500 para seu antigo college na Universidade de Oxford, visando auxiliar graduandos que tenham dificuldades financeiras. Também outros colleges receberam valores destinados à compra de objetos para os recintos comuns. Os colleges de Oxford são entidades independentes e autoadministradas, que se relacionam com a Universidade através de um sistema federativo semelhante ao dos estados e províncias de diversas nações.
A biblioteca e os manuscritos de Ronald Tolkien foram deixados em custódia para seu filho Christopher, nomeado Testamenteiro Literário, com poderes específicos para destruir quaisquer obras que não tivessem sido publicadas por ocasião da morte do pai.
O desejo expresso do autor foi que o copyright de suas obras permanecesse com a família. Para esse fim foi criado postumamente o Tolkien Estate – a entidade legal responsável por seu patrimônio – atualmente administrado por Baillie e Michael George Tolkien, respectivamente viúva e sobrinho de Christopher. Em 1977 os filhos de Ronald Tolkien fundaram o Tolkien Trust, entidade beneficente que recebeu do Tolkien Estate parte do copyright das obras. A série Os Anéis de Poder é uma coprodução da Amazon, do Tolkien Estate, do Tolkien Trust, da editora HarperCollins e da New Line Cinema. Os direitos de filmagem e merchandising do Senhor dos Anéis e do Hobbit já haviam sido vendidos pelo próprio Tolkien à empresa Tolkien Enterprises, independente da família, atualmente chamada Middle-earth Enterprises.
Vendo o legado imediato que Tolkien deixou ao filho, e o risco de destruição que tinha sido autorizado, temos a agradecer a Christopher que não apenas as obras foram conservadas, mas também cuidadosamente editadas, resultando em mais de uma vintena de livros publicados postumamente – e ainda restam textos que estão sendo trabalhados por outros editores e estudiosos.