O xadrez é um jogo tradicional, que já assumiu várias formas diferentes até se estabilizar no modo que conhecemos hoje em dia. As peças e seus movimentos foram evoluindo ao longo dos séculos, sempre mantendo o caráter de um combate simulado sobre o tabuleiro.
Na Índia do século VI, jogava-se já o chaturanga “quatro membros”, um jogo muito parecido com o xadrez cujo nome se referia às quatro antigas divisões do exército: infantaria, cavalaria, elefantes e carruagens de guerra. Chegaram a ser criadas variantes de xadrez para quatro jogadores, cada um partindo de um canto do tabuleiro com um número de peças mais reduzido que o atual.
No Mundo Secundário criado por Tolkien, certamente existia algum jogo semelhante, praticado pelos estudiosos ou pelos soldados, que por essa prática reproduziam a tática e a estratégia militar em um espaço controlado, sujeito a regras bem determinadas. As referências que encontramos no Senhor dos Anéis são bem poucas. A única que menciona o xadrez diretamente é esta passagem, em que Pippin encara Beregond, que acaba de dizer que para atacar Mordor “nossa mão terá de ser pesada!”:
Pippin olhou para ele: alto, orgulhoso e nobre, como todos os homens que já vira naquela terra; e com um brilho no olho quando pensava na batalha. “Ai de mim! minha mão parece leve como uma pena”, pensou ele, mas nada disse. “Um peão, Gandalf disse? Quem sabe; mas no tabuleiro de xadrez errado.”
(O Retorno do Rei – “Minas Tirith”)
O original, neste ponto, tem a frase a pawn […] on the wrong chessboard. Pippin está se referindo a um trecho anterior, onde Gandalf compara os soldados de Gondor a peões em um jogo de tabuleiro que não está especificado:
Silenciou e suspirou. “Bem, não é preciso remoer o que o amanhã poderá trazer. Por um lado, o amanhã certamente trará coisas piores que hoje, por muitos dias a seguir. E não há nada mais que eu possa fazer para impedir isso. O tabuleiro está posto e as peças se movem. Uma peça que muito desejo encontrar é Faramir, que agora é herdeiro de Denethor. Não creio que esteja na Cidade; mas não tive tempo de reunir notícias. Preciso ir, Pippin. Preciso ir a esse conselho de senhores e descobrir o que puder. Mas o lance é do Inimigo, e ele está prestes a abrir todo o seu jogo. E os peões provavelmente verão tanto dele quanto os outros, Peregrin, filho de Paladin, soldado de Gondor. Afie sua lâmina!”
(O Retorno do Rei – “Minas Tirith”)
Mais adiante, Frodo e Sam estão observando a terra de Mordor, e mais uma vez surge a imagem dos soldados como peças em um imenso tabuleiro, controladas por jogadores poderosos:
Ali, nas regiões do norte, ficavam as minas e forjas e as convocações para a guerra há muito planejada; e ali o Poder Sombrio, movendo seus exércitos como peças no tabuleiro, os reunia. Seus primeiros lances, as primeiras apalpadelas de sua força, haviam sido rechaçados na linha ocidental, no sul e no norte. No momento ele os retirava e trazia forças novas, apinhando-as em torno de Cirith Gorgor para um golpe de vingança.
(O Retorno do Rei – “A Terra da Sombra”)
Como seria o “xadrez” jogado na Terra-média? Talvez as peças se assemelhassem às da figura, que são algumas das “peças de xadrez de Lewis”. Estas nada têm a ver com C.S. Lewis, o notório amigo de J.R.R. Tolkien, também ele autor de fantasia. As peças, de origem escandinava, foram encontradas na ilha escocesa de Lewis, e datam possivelmente do século XII. São, em sua maioria, de marfim de morsa.
As peças da ilustração, cinco dentre noventa e três, são o rei, a dama, o bispo, o cavalo e a torre. Esta última é representada por um guerreiro; os peões, sem formas humanas, têm desenhos mais abstratos.
Mais informações sobre estas peças singulares estão disponíveis aqui.
Enfim, só nos resta exercer nossa própria fantasia para imaginarmos os singulares combates em que os sábios e os guerreiros dentre os Homens se empenhavam diante do tabuleiro, na Terceira Era e nas Eras seguintes…